domingo, 6 de março de 2011

Carnaval de Maragogipe Patrimônio Imaterial


O Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac) classificou o carnaval do município de Maragogipe, no Recôncavo, como patrimônio imaterial da Bahia depois de uma série de pesquisas e estudos feitos sobre a tradicional festa desde 2007. O carnaval de Maragogipe tem inspiração nas festas similares que ocorriam na Europa no século XIX, onde há uma forte predominância de fantasias de figuras folclóricas, como os antigos carnavais que hoje só acontecem em salões privados.

O Carnaval de Maragojipe(Historico)

Nívea Alves dos Santos
Magnair Barbosa


No carnaval de Maragojipe, podem ser observados aspectos que remontam
a Roma Antiga, quando em homenagem a Baco, homens, mulheres e
crianças saíam às ruas com seus rostos mascarados, corpos pintados, para espantar
os demônios da má colheita, como descreve Jacques Surrão no texto abaixo:
A Cidade em festa.

Evohé! Evohé! Evohé!
Eis patrícios, que estamos em plenos festejos bacchanaes no ardor immenso do vinho, da loucura e da pandega! Fuja de noss’alma a seriedade, venha-nos a folia, saíamos desta insipidez, desta lethargia profunda, em que vivemos submersos os nossos corações por só pensar na horrível quebradeira e saboreando o doce vinho, gritemos no auge do puro enthusiasmo
– Evohé! Viva o Momo! Viva o Carnaval!
E Viva a Baccho!

É o delírio do vinho e da loucura!

Uns mascarados jocosos, lá vêm engraçados, acompanhados d’uma meninada doida,
n’uma algazarra terrível, quebrando, gostoso “maxixe”... e portanto é mister, é
necessário que n’estes três dias de carnaval o povo seja louco...sem pensar.
Festa! Festa!

E viva Momo! Viva a Orgia! Viva a Baccho! Viva a loucura! Viva o Carnaval!
Amanhece em Maragojipe; aos poucos a cidade desperta. É o começo de um grande dia, o primeiro sábado do mês de fevereiro de 2008, início do Carnaval para os maragojipanos. O calor daquela manhã anuncia qual será a temperatura das festividades. Nas ruas enladeiradas surgem os primeiros Caretas, personagens que farão parte do brilhantismo da festa. São crianças que chegam aos grupos, vestidas a caráter para o evento, surgindo de todas as direções anunciando a chegada do carnaval e aos poucos toda a cidade é tomada pelo colorido das fantasias. Na noite anterior, na abertura oficial do carnaval, uma comitiva composta pelo Rei Momo, Rainha e Princesas, o Prefeito, políticos e população concentram-se na praça principal à espera dos primeiros acordes. A partir daí, o Rei Momo,simbolicamente, governará a cidade nesses dias de folia. Os blocos, as charangas, o jegue trio tomam conta da praça, animando a população que espera ansiosa pela festa. Se comparado ao de Veneza, pelo requinte de suas fantasias e máscaras, o carnavalde Maragojipe tem ainda a peculiaridade de preservar referenciais herdadosda cultura afro.  Situado no Recôncavo baiano, Maragojipe conserva os traços coloniais, a religiosidade com influência do catolicismo e da matriz africana, a culinária, a música, o modo de ser maragojipano que considera as manifestações culturais locais, como o motor propulsor das suas vidas.Segundo Sonia Amorim 14, a primeira referência a Baile de Máscaras no Brasil édo ano de 1840, no Rio de Janeiro, importado da Europa pelas classes altas, juntocom alegorias sofisticadas. Nessa época, surgiram os confetes, as serpentinase o lança-perfume. Os grandes bailes carnavalescos da Bahia, promovidos peloTeatro São João 15, pelos clubes Cruz Vermelha e Fantoches da Euterpe, em 1884 e pelo Inocentes em Progresso em 1890, surgem como campanha ao esquecimento do entrudo, numa tentativa de importar o carnaval de Nice e Veneza, cujaexaltação ao luxo e à pompa, trariam à cena do carnaval brancos e crioulos de classe média. As fantasias e as famosas máscaras venezianas inspiravam-se na elegância e no bom gosto dos trajes dos séculos XVII e XVIII, nos personagens da Commedia Dell´Arte, em que figuram os nossos conhecidos pierrôs, colombinas e polichinelos. O espaço dos clubes não estava ao alcance de todos, por isso as ruas continuaram a ser freqüentadas por negros escravos e libertos, agora fiscalizados pela polícia que, incentivada pela sociedade civil, passou a distribuir máscaras gratuitamente.


O carnaval da Bahia, do século XVII ao XX, sofreu transformações pontuais,estimuladas  por comerciantes que abarrotaram suas lojas com variadas modalidades de máscaras e vestimentas – pierrôs, dominós e outros artigos. Nessa longínqua trajetória, o carnaval passou a ser um projeto empresarial, requerendo toda uma gama de articulação entre os poderes públicos e as entidades carnavalescas, para montagem do espetáculo. Maragojipe ainda conserva a tradição dos mascarados, pelas formas artesanais de produzir fantasias, de patrocinar o riso e promover a representação da vida cotidiana. Os registros do carnaval de Maragojipe apontam para fins do século XIX 18, paralelo aos tempos áureos do carnaval da Bahia, como mostra a seguir: O Carnaval É impossível descrever-mos o que foi o carnaval nesta cidade; foi uma festa imponente! Nos três dias os “Clubs Filhos da Terpsychore e União dos Engenheiros“ apresentaram-se lindamente preparados, onde elles passavão erão recebidos

com vivas. Ambos forão puxados pela Philarmonica Tepsychore que devidiu-se em

duas bandas para satisfazer bem aos seus adeptos. O que desejamos é que continuem sempre com este divertimento que dá nome a nossa terra. Conta-nos que à sociedade “Dois de julho” vai criar também um Club carnavalesco.

Seja bem vindo.

Nos jornais, a preocupação com os bons princípios de moral do povo maragojipano revelam discursos que têm como objetivo afastar qualquer prática de lembrança ao entrudo. Embora o carnaval se apresente como “Inferno do Prazer,” a imprensa insiste em informar que, além do Momo, reinou em Maragojipe a ordem absoluta. Nestes tres dias, o coração dos povos deve abrir-se a um novo contentamento, porque rememoram uma victoria da Civilização contra a Ignorancia − o atrophiamento do Entrudo, diversão que não se coadunava com ella e foi substituída pelo carnaval − a festa que consiste na livre expansão do regosijo. om ella e foi substituída pelo carnaval − a festa que consiste na livre expansão do regosijo. Brinquemos como pândegos civilisados e que em tudo reine a melhor ordem, são os nossos votos. Alerta, rapaziada maragojipana! Esqueçamos nessas 72 horas as agruras da vida, e vamos, todos, nos espalhar nas alegrias de Momo, com entusiasmo, ordem e respeito. Na década de 1920, foram memoráveis os inúmeros cordões, inclusive de mulheres, que se deleitavam aos prazeres da vida terrena, além da pompa dos clubes Amigos do Silêncio e Deustcher Club, do Bloco dos Caipiras, do Rancho do Jacaré e do concurso realizado pela Filarmônica Dois de Julho, direcionado à elite maragojipana. Na década de 1930, nota-se, nas ruas de Maragojipe, os cordões das Hespanholas, Assustados e dos Nagôs; ternos da Esperança, Marujas, Bonecas, Turcas e A Fauna; rancho do Macação, mascarados, pierrôs, colombinas e, ainda, passeatas promovidas pelas filarmônicas. Confetes e serpentinas decoram o cenário dos três dias de carnaval, em que a supressão dos preconceitos sociais faz parte do caráter transversivo de mudança de personalidade e de classe social.

[...] durante o carnaval é a própria vida que representa, e por certo tempo

o jogo se transforma em vida real. Essa é a natureza específica do carnaval,

seu modo particular de existência. O carnaval é a segunda vida do povo,

baseada no princípio do riso. É a vida festiva.

 

O Carnaval de Maragojipe se destaca pela peculiaridade do uso de máscaras, alegorias e bandas de sopro. As músicas dos carnavais antigos são executadas no palco principal, grupos de samba se apresentam e, o mais importante, o sentimento que todo maragojipano tem quando se refere ao carnaval. Para eles, tratase de uma tradição que deve permanecer na sua essência, espontânea, singular. A festa representa, portanto, o equilíbrio entre o trabalho e o descanso, período marcado pelo esquecimento – da posição social, da personalidade – e da reelaboração de outro eu. É ainda um mesclar de catarses sob forma de crítica social, de superação psíquica e de expressão simbólica, caracterizados nos personagens cuja expressão cômica, trágica, clássica ou romântica, dá a tônica dos dias de carnaval dos mascarados em Maragojipe.

 
Fontes
Livro Carnaval de Maragojipe pelo IPAC
O livro foi editado em outubro de 2010 pelo IPAC.
Composto em Garamond e Chaparral Pro.
Impresso em papel couché fosco 170gr/m2 e papel supremo 300gr/m2.
Gráfica QualiCopy.
Tiragem 3.000 exemplares.
Salvador - Bahia -Brasil.

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